sábado, 2 de junho de 2007

Sumô

O sumô ostenta a condição de kokugi, ou seja, o esporte nacional do Japão. Trata-se de um dos mais antigos esportes organizados do planeta. No século 7, já ocorriam competições e, segundo um antigo relato, o imperador Seiwa conquistou o direito de ocupar o Trono do Crisântemo graças a uma titânica luta de sumô realizada em 858. A corte imperial promovia competições para assegurar as boas colheitas e, no século 16, os lutadores realizavam torneios por todo o país. A estrutura organizacional do sumô moderno começou a consolidar-se na década de 1860 e, desde então, seus elementos fundamentais permaneceram em grande parte inalterados.

O âmago de cada luta de sumô é um combate entre dois adversários, mas esses choques estrondosos de homens corpulentos usando longas tangas de seda são, na realidade, parte de uma cerimônia tão pitoresca, ritualizada e esplendorosa, que a luta mesmo muitas vezes some em meio ao espetáculo. Isso também é decorrência da história, pois o sumô originou-se em parte como um ritual do xintoísmo, religião nativa do Japão. Até hoje nota-se uma inegável atmosfera religiosa nas lutas. A própria arena é um local sagrado, coberto pela réplica do telhado ligeiramente inclinado de um templo xintoísta. Por isso, os lutadores devem lançar diante de si um punhado de sal purificador antes de pisarem a argila sagrada.

As obrigações ritualistas mais elaboradas recaem sobre os poucos lutadores que chegam ao topo da hierarquia. Um "campeão supremo", yokozuna em japonês, torna-se automaticamente, por sua posição, um sacerdote da religião xintoísta. Isso sempre significou uma pressão adicional sobre Akebono, único estrangeiro a ter alcançado o título de yokozuna em toda a história do sumô, pois muita gente no Japão teme que um americano não seja capaz de ocupar essa posição única na sociedade nipônica.

Apesar do mistério que envolve o esporte, as regras são simples. Dois lutadores defrontam-se em um ringue circular com cerca de 4,5 metros de diâmetro. Vence quem primeiro derrubar o rival ou empurrá-lo para fora do círculo. Tapas, empurrões, rasteiras e golpes similares aos do judô são permitidos, mas não socos com o punho fechado. Não há limite de peso. Por isso, muitos lutadores passam anos tentando engordar o máximo possível. O peso médio dos combatentes no nível mais avançado é de 160 quilos.

A Associação de Sumô promove seis grandes torneios por ano. Com duração de 15 dias, cada lutador faz uma luta por dia e enfrenta todos os outros adversários. É declarado vencedor quem somar mais pontos. O campeão e outros lutadores de elite ganham prêmios em dinheiro e promoções em um meticuloso ranking de classificação. Após chegar ao topo da carreira, Akebono, por exemplo, passou a ganhar mais de 1 milhão de dólares ao ano.
As lutas de sumô sempre constituem uma atração concorrida. Em um país que ama os esportes, sua popularidade só é menor que a do beisebol. Em geral, as entradas para os torneios esgotam-se no primeiro dia em que são postas à venda. Quem não acha ingressos, porém, não fica na mão: todas as lutas são transmitidas pela TV.

Claro que a excitação e o clima de festa que envolvem cada disputa ajudam a explicar a popularidade do sumô, mas é possível que haja também outro motivo. No sumô, a mescla de esporte e ritual é apreciada pelos japoneses porque reflete, como em um microcosmo, muitos dos valores mais preciosos de sua cultura.

A sociedade japonesa confere enorme importância à posição e à hierarquia sociais - e o mesmo ocorre no universo do sumô. Sempre há cerca de 900 lutadores profissionais em atividade. Cada um deles ocupa uma posição numérica determinada em uma complexa sequência de posições. Todos que já tiveram contato profissional com japoneses sabem que eles preferem usar títulos em vez de nomes: "Encaminhei ao assistente do diretor a proposta do chefe da seção". É igual no sumô. A classificação do atleta é tão importante quanto seu nome. "Que luta maravilhosa!", vibrou um locutor da TV durante o Torneio de Outono. "O novo lutador do nono grau encurralou o vice-campeão da segunda classe!"
O Japão é uma nação que aprecia as regras e respeita a autoridade - e também no sumô essa tradição é inabalável. Não importa o quanto o resultado de uma luta seja ambíguo ou discutível, a decisão de um juiz, ninguém nos ginásios - nem mesmo os fãs! - expressa qualquer queixa a respeito das decisões. Espera-se que os lutadores, com seus penteados inspirados nos samurais do século 17, também manifestem o mesmo estoicismo dos samurais. No sumô, nenhum vencedor se vangloria, assim como nenhum perdedor jamais reclama (pelo menos, não em público). Ao final de uma disputa, os lutadores cumprimentam-se com respeito, inclinando o corpo. Em seguida, saem silenciosamente do ringue. Todas as regras são pensadas para preservar os transcedentes valores sociais japoneses. como harmonia, civilidade e ausência de confronto.

No entanto, ao longo das últimas décadas, à medida que o Japão se tornava uma superpotência econômica global, a nação também passou a conviver com um importante valor novo: kokusaika, "internacionalização". Nem sempre foi fácil para uma sociedade homogênea e insular abaixar a guarda diante do resto do mundo. E o universo do sumô vem enfrentando o mesmo problema.

Para o sumô, a era de kokusaika teve início na década de 1960, quando um enorme havaiano chamado Jesse Kuhaulua - no ringue mais conhecido como Takamiyama, "Vista de uma Alta Montanha" - se tornou o primeiro não asiático a ser admitido nas principais associações. Ele conseguiu chegar até uma das posições mais altas e sua disposição e dedicação ao esporte fizeram dele uma favorito dos fãs até 1984, quando se afastou dos ringues. Mesmo assim, a Associação de Sumô exigiu que se tornasse cidadão japonês antes de autorizá-lo a abrir seu próprio centro de treinamento de lutadores.

O maciço Kuhaulua abriu as portas do esporte para alguns outros americanos. No início da década de 1990, alguns desses haviam chegado ao grupo de elite dos melhores lutadores, sendo potenciais candidatos ao posto máximo de campeão supremo.


Um deles era Selevaa Atisanoe, o colosso havaiano que lutava com o nome de Konishiki, "Bordado Delicado" - nome totalmente equivocado, pois é o lutador mais pesado de toda a história do sumô. Uma trepidante montanha de músculos e carne, o peso de Bordado Delicado varia entre 270 e 280 quilos, dependendo do que ingeriu em sua refeição matinal. Com mera força bruta, Konishiki venceu tantos embates no fim da década de 1980 que chegou à posição de ozeki, apenas um nível abaixo do topo. As autoridades do esporte, no entanto, demonstraram grande resistência a promover esse estrangeiro ao posto máximo do esporte. Quando Konishiki, à maneira americana, decidiu comentar sua situação em público - "Se eu fosse japonês, já seria campeão supremo", declarou aos repórteres -, essa quebra da harmonia coletiva do sumô foi algo tão chocante que eliminou para sempre a possibilidade de que fosse promovido.

Akebono, cujo nome significa "Amanhecer", tornou-se candidato ao nível máximo cerca de dois anos após esse episódio, e evidentemente aprendeu a lição da experiência de seu predecessor. Ele se manteve sempre dedicado, humilde e respeitoso.

Beneficiando-se de seu comportamento impecável, de suas esmagadoras vitórias e de um pouco de sorte - três campeões mais velhos aposentaram-se, e era preciso promover alguém mais jovem -, Akebono, cujo nome real é Chad Rowan, acabou por tornar-se o primeiro campeão supremo nascido fora do Japão. Um yokozuna saído dos Estado Unidos! O fato foi manchete em quase todos os jornais japoneses, comprovando assim que a kokusaika - internacionalização - havia penetrado até mesmo nos templos do sumô.