sábado, 2 de junho de 2007

Período Heian (794-1192)

Em 784, o imperador Kammu (737-806) decidiu transferir a capital. Deu instruções a Fujiwara no Tanetsugu, o seu supervisor de construções, para encontrar um local adequado. Tanetsugu escolheu Nagaoka, ao norte de Heijo, e a obra começou. Contudo, desde o início o projeto se viu envolvido em intrigas políticas e rivalidades entre várias facções: Tanetsugu foi assassinado por cortesãos rivais e o local foi votado à catástrofe. Tomando esses acontecimentos como um mau presságio, Kammu abandonou o projeto já meio completado e ordenou que se procurasse outro local. Foi assim que se escolheu um local ao norte, entre os rios Katsura e Kamu, e as construções começaram de novo. A nova capital, denominada Heian-kyo, mas tarde conhecida como Kyoto, manteve-se como capital do Japão até a restauração Meiji, de 1868, quando o jovem imperador transferiu a sua corte para leste, a fim de liderar um novo governo.

Os quatro séculos que mediaram a transferência da nova capital para Heian-kyo, em 794, e a consolidação da lei marcial em Kamakura, em 1185, por Minamoto no Yoritomo, são designados por período Heian. Este longo período, que pareceu estável e tranquilo, quando analisado do ponto de vista da corte imperial, presenciou alterações internas consideráveis. No início, verificou-se uma rápida assimilação dos modelos administrativos e culturais chineses, bem como a restauração da centralização das instituições segundo o estilo chinês, introduzida durante o período Nara através dos código ritsuryo. No entanto, a partir do século X deram-se alterações políticas e econômicas na corte e as províncias destruíram o objetivo original do sistema burocrático de ritsuryo e contribuíram para a privatização e o ressurgimento da influência dos clãs quer no seio da corte, que nas províncias. Ao mesmo tempo, a corte deixou de enviar embaixadas oficiais à China.

O período Heian Médio, por volta do ano 1000, viu florescer uma cultura aristocrática japonesa centralizada na corte, ao mesmo tempo que constituiu o apogeu da cultura aristocrática da corte no Japão e uma época de grande criatividade na literatura, na religião e nas artes. O Conto de Genji (Genji Monogatari) e antologia da poesia japonesa de Kokinshi são apenas duas das magníficas criações literárias desta época, que também estabeleceu estilos na arquitetura das residências aristocráticas e na paisagística, nos ornamentos, na pintura e na escultura budista.

A nova capital: Heian-Kyo
Tal como as capitais de Fujiwara e de Heijo, a nova capital foi planejada segundo a de Chang'an (a atual Xi'an/Sian). Contudo, ao contrário de Chang'an e de outras cidades chinesas, as antigas capitais japoneas não eram protegidas por muralhas. Heian-kyo situava-se numa extensa planície, rodeada a norte, a leste e a oeste por altas montanhas. Heian possuía melhores reservas de água do que Heijo. A nova capital era maior do que Heijo na sua concepção, com 4,5 km na direção leste-oeste e 5,2 km na direção norte-sul.

Tal como em Chang'an e em Heijo, o grande palácio, sede do Governo, foi construído no norte da cidade. Os grandes edifícios oficiais eram resplandecentes com os seus pilares vermelhos e as suas telhas verdes, segundo o estilo chinês. A planta da cidade constava de avenidas e ruas, formando cerca de 1200 blocos residenciais uniformes. Os únicos mosteiros budistas inicialmente permitidos na cidade foram os templos construídos na zona oriental e na zona ocidental, sob a alçada do Estado, Toji e Saiji.

À semelhança de Heijo, Heian foi primeiramente uma capital administrativa e o centro político, social e cultural do país. No século IX, o total da população da capital compreendia cerca de 100.000 habitantes, dos quais 10.000 eram nobres e oficiais de baixa patente.

Embora se tivessem proibido os velhos templos, o budismo não foi completamente excluído de Heian, já que Kammu não era hostil a esta religião. De fato, foi mesmo um ativo divulgador do budismo. Apoiou vários monges, enviando-os para a China a fim de contactarem com novos ensinamentos e novos textos. Kammu conseguiu banir as más influências dos templos de Nara e promover uma nova instituição budista, mais de acordo com o verdadeiro lugar do budismo na sociedade.

Kammu foi um imperador empreendedor: introduziu alterações para recuperar os frágeis princípios das reformas Taika, tornou mais rigorosa a inspeção dos oficiais do Governo, criou novos organismos fora dos códigos ritsuryo, para aconselhar o trono, e também uma política imperial e utilizou um novo sistema militar para dominar as tribos de Ezo, no nordeste. O período Heian é caracterizado mais pelo domínio dos nobres sobre a corte, especialmente pelos membros do ramo norte da família Fujiwara, do que afirmação do poder imperial. Os imperadores continuavam a funcionar como titulares do Governo, símbolos de uma legitimidade e objeto de veneração em virtude da sua ascendência divina. Mas o poder foi exercido por líderes da família Fujiwara no seu papel de regentes ou de avós por via materna, tios ou cunhados. Tudo isso se traduziu numa exclusividade do poder político, acompanhada de um sistema de governo ostensivamente oficial e burocrático.

Os Fujiwara
A influência dos Fujiwara fez-se sentir logo no início do regime imperial. A casa foi fundada por Nakatomi no Kamatari, chefe do clã Nakatomi dos rituais xintoístas, que ajudou o príncipe Naka no Oe no golpe de Estado em 645. O nome de Fujiwara ("Campo de Glicínias") foi dado pelo imperador Tenji em 669 em memória, segundo consta, do local onde se deu a conspiração.

Os Fujiwara exerceram e estenderam o seu poder em várias direções e provaram ser mestres em todos os jogos políticos da corte. Isolando e afastando rivais, não se furtaram de tecer intrigas com o objetivo de culpar terceiros. Fomentavam os casamentos políticos, ligavam-se à descendência imperial através do nascimento de príncipes imperiais e seus herdeiros legítimos. Aumentaram a sua riquesa pessoal e o poder através da acumulação de propriedades em estados privados (shoen).

Os Fujiwara monopolizaram os serviços consultivos do trono que não tinham sido nomeados através do sistema ritsuryo. Os dois postos-chave eram o sessho ("regente de um menor") e o kampaku ("regente de um imperador adulto"). Persuadindo os imperadores a retirarem-se cedo, os Fujiwara instalavam-se como regentes dos sucessores, achando assim uma forma de controlar o trono sem realmente o deter.

Vários imperadores que não eram filhos de mães Fujiwara montaram um estratagema para acabar com o seu controle: abdicaram mas continuaram a exercer o poder controlando os filhos mais novos que instalavam no trono. Surgia assim um plano político por via paterna, em contraste com a política de parentes por via materna seguida pelos Fujiwara. Esse sistema de governo é denominado insei, ou governo de clausura. Os imperadores de clausura, Shirakawa (1053-1129), Toba (1103-1156) e Go-Shirakawa (1127-1192), tiveram um período longo de vida, foram governantes enérgicos que desafiaram os Fujiwara pelo controle da corte.

Em meados do século XII, a competitividade política dentro da corte foi bastante intensificada com a intrusão do guerreiro da família Taira, liderada por Taira no Kiyomori. Esta intrusão constituiu o primeiro passo significativo para o eclipse da corte imperial e o aparecimento do governo militar no Japão.

A privatização da terra: a proliferação das propriedades privadas
Economicamente, o poder dos Fujiwara assentava-se em uma forma de privatização, que teve lugar com o sistema ritsuryo, denominado privatização dos direitos à terra. Desde o princípio o sistema de terra pública e de impostos não funcionou bem porque foi necessário entrar em compromisso com os poderosos uji a fim de ganhar o seu apoio neste sistema. Ainda antes do fim do período Nara, grandes propriedade privadas, conhecidas como shoen, começaram a surgir nas províncias. Gradualmente, a atuação dos japoneses começou a se afastar dos ideais chineses, já que o princípio burocrático chinês colidia com os profundos interesses dos clãs e das tradições hereditárias japonesas.

As origens de shoen podem ser traçadas logo desde o início da centralização do poder estatal no período Nara. Embora os japoneses adotassem um versão do "sistema de terras iguais", sob o qual os impostos sobre os arrozais eram distribuídos pelos agricultores e redistribuídos até a morte, algumas terras estavam isentas, as que pertenciam à família imperial e os campos doados aos nobres em reconhecimento da sua categoria ou de um serviço prestado. Os campos pertencentes aos mosteiros budistas e santuários xintoístas e os terrenos baldios também eram isentos.

A pressão da própria população e a necessidade de ampliar as áreas de cultura para as redistribuir mobilizavam assim mais terrenos para a produção. A competição na procura de terras aumentou, incrementando-se também o número de propriedades privadas e de camponeses que preferiam ser proprietários de bens próprios cuja capacidade de trabalho se traduzia numa redução de impostos, em vez de trabalharem nos terrenos desocupados.

As shoen criadas com a distribuição de terras foram rapidamente ultrapassadas pelas shen encomendadas. Para assegurar proteção e isenção de impostos, pequenos proprietários tomavam por conta as terras de um proprietário ausente, de um nobre ou de um templo. Em vez de pagar uma taxa anual, o agricultor ficava com o direito de tratar os seus campos através da assinatura de um título ao nobre ou ao templo. Se o novo proprietário não fosse capaz de assegurar o cultivo de toda a terra, encomendá-la-ia por sua vez a um membro importante da família Fujiwara ou a um consorte imperial com voz ativa na corte. A fim de assegurar o bom funcionamento de todo o processo, cederia por seu lado um direito de uma parte da terra (shiki). Estas partilhas ou divisões shiki davam direito a uma porcentagem dos rendimentos. As shiki eram divisíveis, vendáveis e hereditárias. Uma instituição ou uma pessoa, podiam possuir várias espécies de shiki no mesmo estado ou uma grande variedade de shiki em estados diferentes, sem nunca as visitar. Este sistema foi apontado como sendo uma "hierarquia de possessões".

As shoen representaram uma mudança para a economia e uma cultura fechada e auto-suficiente. Em vez de contarem exclusivamente com o tesouro do Estado ou com os mercados públicos para adquirirem bens, os nobres e os templos sobrecarregavam pesadamente as suas possessões para adquirirem luxos, bem como as necessidades básicas.

O aparecimento de bandos de guerreiros
Com o enfraquecimento da autoridade central da corte imperial e a quebra do sistema de recrutamento militar, deu-se, a partir do século X, a proliferação de bandos guerreiros (bushidan) nas províncias. A fim de guardarem a capital, controlarem o norte, protegerem as shoen e as aldeias e de acabarem com as revoltas regionais, como as sublevações lideradas por Taira no Masakado (940), Fujiwara Sumitomo (941) e Taira no Tadatsune (1028), imperadores, nobres, templos e santuários viram-se forçados a recorrer a chefes guerreiros regionais como os Minamoto ou os Taira, dando-lhes a possibilidade de participarem da política da corte. Grandes templos como Enryakuji, Kifukuji, monte Koya e Negoro possuíam poderosos exércitos de monges-soldados. Santuários como Kumano e Usa também possuíam forças militares consideráveis.

A destruição dos Taira
Com as vitórias alcançadas nas revoltas de Hogen e Heiji (1156-1159), Taira no Kiyomori e Taira no Ise estavam aptos para dominarem a corte, adquirirem títulos de propriedade e destruírem os seus principais rivais, os chefes do clã Minamoto. A arrogância de Taira virou contra si os cortesãos e o imperador retirado Go-Shirakawa. Em 1180, o príncipe Mochihito organizou um golpe contra Taira, mas foi morto na batalha de Uji. No leste do país, Minamoto no Yoritomo também liderou uma revolta, mas foi derrotado em Ishibashiyama (1180). Na batalh de Fujigawa, no mesmo ano, foi mais bem sucedido. A partir de 1180, Yoritomo consolidou o seu poder no leste, aumentando o número de vassalos (gokenin) e começou a formar gabinetes de um governo composto por guerreiros.

Em 1183, o primo de Yoritomo, Yoshinaka, deslocando-se de Shimano, desbaratou as tropas de Taira e marchou sobre a capital. Taira fugira para o ocidente, levando o filho do imperador Antoku. A desconfiança mútua entre Yoshinaka e Yoritomo levou este a enviar os seus irmãos Noriyori e Yoshitsune para negociarem com Yoshinaka e seguirem no encalço de Taira. Yoshitsune, um brilhante estrategista, esmagou Taira em abril de 1185 na batalha naval de Dannoura. Os oficiais mais importantes de Taira foram mortos ou suicidaram-se. O filho do imperador Taira, Antoku, consta que se afogou com a jóia imperial.

Após a vitória de Minamoto no Yoritomo, este concentrou-se na eliminação de Yoshitsune, que considerava um rebelde, na consolidação do seu poder militar no leste, através da derrota dos Fujiwara, ao norte, que tinham dado asilo a Yoshitsune e o reconhecimento formal por parte da corte do seu governo militar em Kamakura através do título de shogun e da consolidação do seu bakufu.