sábado, 2 de junho de 2007

Período Nara (710-794)

Até o século VII os japoneses não sentiram necessidade de uma capital permanente, sendo esta pura e simplesmente o palácio do governante. Quando o governante morria, o palácio era abandonado, provavelmente para evitar as energias maléficas associadas à morte e um novo palácio era construído. Com o passar do tempo, os nipônicos começaram a construir um regime imperial e adotar uma administração no estilo chinês, com isso a burocracia central cresceu rapidamente e começou a sentir-se a necessidade de capitais menos incertas e mais amplas, com um grande palácio rodeado por edifícios governamentais. A primeira destas, Fujiwara-kyo (kyo significa capital), era uma capital segundo o modelo em grelha de Chang'an, que abrigou três imperadores entre 694 e 710, altura em que foi abandonada.

Em 708, a imperatriz Gemmyo decidiu mudar a capital da cidade de Fujiwara para um novo local, Heijo-kyo (a ocidente da atual cidade de Nara). Ocupada em 710, a cidade de Heijo foi construída como a versão menor da cidade de Chang'an, com o palácio imperial e os serviços administrativos ao norte e as residências da nova nobreza, templos e mercado ao sul. Heijo permaneceu como capital até 784, quando foi abandonada. Este período de estabilidade que durou 70 anos e conhecido como "período Nara".


Durante o século VII a administração e a organização do país seguiam mais de perto o modelo da China controlada pela dinastia Tang. O país encontrava-se divido administrativamente em províncias, distritos e aldeias. Os campos foram reorganizados nas características grelhas, subdivisão e redistribuição. Os cultivadores, organizados em comunidades de aldeias, trabalhavam os terrenos baldios como cidadãos comuns que abriram caminho para o pagamento de impostos ao Estado. Estes, eram cobrados em gêneros, em arroz, têxteis ou outros produtos locais, e em trabalho. O Estado também impôs o serviço militar entre a população masculina.

A velha aristocracia dos clãs permanecia nas suas terras, mas mantinha a sua autoridade e salários como oficiais de distrito do governo central. Os nobres eram enviados para as províncias como governadores para vigiar a administração local, o recenseamento e os impostos anuais. Ao contrário da China, o Japão não recorria a sistema algum para escolher os chefes burocráticos, já que o nascimento e a recomendação pessoal eram os critérios adotados para a nomeação e promoção, ao invés do mérito ou da competência. Templos budistas foram fundados na capital que gozavam da proteção e do apoio do Estado. Estes, assim como a aristocracia, possuíam grandes terrenos e isenção de impostos.

À frente do novo modelo burocrata encontrava-se o gabinete imperial (tenno), que seguia muito de perto o modelo imperial chinês, ao mesmo tempo que mantinha nítidas características japonesas. O governante japonês, tal como o imperador chinês, gozava de prerrogativas divinas. No entanto, ao contrário do homólogo chinês, o mandato do imperador nipônico era inviolável e irrevogável, não se aceitando a noção chinesa de transferência de poderes.

Os imperadores Tenji e Temmu, no século VII e Shomu e Kammu, no século VIII, podem ser descritos como governantes ativos que tomaram e assumiram decisões políticas, embora o poder e a liderança não fossem essenciais para o gabinete imperial. Os imperadores mais fracos, os filhos de imperadores e as imperatrizes, se consideravam pertencentes a uma linhagem sagrada, podiam dedicar-se aos ritos sacerdotais que se encontravam na raiz do poder imperial.

Embora os japoneses tenham realizado um determinado esforço para impor as reformas segundo o conceito chinês durante os séculos VII e VIII, muitas facetas da vida permaneceram intocáveis, sendo encaradas como sacrossantas ou rapidamente remetidas para os seus primeiros modelos. Apesar de se ter criado um sistema de loteamento de terras, não foi o suficiente para acabar com a riqueza, ou com o estatuto das famílias aristocráticas ou das instituições religiosas, tendendo muitas vezes, pelo contrário, a favorecê-las. Tal como a linhagem imperial não podia perder o seu direito ao trono, a procedência aristocrática encontrava-se protegida pela preferência japonesa pelo princípio da hereditariedade. O Governo, não se encontrava totalmente burocratizado ou baseado no mérito. Continuava a ser monopolizado pelos bem-relacionados e pelos bem-nascidos.


O recrutamento e os pesados impostos pressionaram os camponeses e muitos tiveram de fugir. Epidemias como a varíola eram frequentes e dizimavam periodicamente a população. Na capital, a nobreza procurava exercer influência sobre o Governo e sobre o trono. Os Fujiwara já começavam a eliminar da corrida ao poder outros nobres, mas só atingiram uma hegemonia total no fim do período Nara. A ameaça do domínio clerical tornou-se bastante evidente com o caso Dokyo. Dokyo era um monge que procurou obter influência política através da bajulação da imperatriz Shotoku. Esta acolheu-o no palácio, concedeu-lhe postos no Governo e o título de hoo, "Rei da Lei Budista", que se destina só a imperadores que abdicavam para entrarem na vida eclesiástica. Quando se percebeu que Dokyo tinha pretensões ao trono, foi afastado e morreu no exílio. As lutas entre os nobres e os clérigos budistas convenceram Kammu e os seus conselheiros mais próximos de que era tempo de pensar seriamente em transferir a capital.

As artes literárias
O período Nara viu o florescer de uma cultura literária através dos japoneses que tinham aprendido os sistemas da escrita chinesa. Embora o chinês falado seja diferente do japonês, estes acharam possível exprimir o seu pensamento através dos caracteres chineses ou de os utilizar não pelo seu significado, mas como um complexo silabário para expressar os vários sons do japonês. Dois dos primeiros textos nipônicos, as Nihon Shoki, que pretendiam ser uma obra histórica, foram escritas em chinês. No entanto, as lendas recordadas nas Kojiki eram apresentadas num estilo misto que por vezes utilizava caracteres chineses para o seu significado e outras vezes só para os seus sons.

A antologia Manyoshu (Coleção das Dez Mil Folhas) utilizou caracteres chineses para reproduzir os sons japoneses, proporcionando aos poetas uma maior e mais espontânea expressão do que teriam em chinês. A Manyoshu é tida como a primeira expressão das sensibilidades poéticas dos japoneses e maior antologia da linguagem. Embora se inclua muitos poemas longos (choka), estabeleceu-se o modelo de versos de trinta e uma sílabas, distribuídas por versos de 5-7-5-7-7 sílabas (tanka), como a principal forma para a poesia japonesa. Os poemas incluídos na antologia foram escritos por pessoas das mais variadas condições sociais, inclusive imperadores e imperatrizes. Falavam de amor, de afastamento, alegria e tristeza, de um amor constante pela corte de Yamato e de veneração pelos espíritos locais.

A mudança da capital
Em 784, a corte, sob o governo do imperador Kammu, transferiu a capital, desta vez de Heijo, no norte, para Nagaoka, e depois, como se este local demonstrasse maus auspícios, para um local chamado Heian. Tabus associados a más energias podem estar na causa desta mudança, mas também se tem sugerido que foi uma tentativa por parte do imperador e dos nobres da corte para acabarem com a crescente influência dos clérigos budistas sobre a vida da corte. A mudança da corte para uma nova capital reduziu efetivamente a ingerência dos grandes templos de Nara, que eram proibidos de seguirem ou de se estabelecerem na nova capital.